Uma ajuda, moça

Não é difícil cruzar com algum pedinte nas ruas de São Paulo. Sempre nego dinheiro, pois sempre desconfio sobre o destino dado às minhas moedas. Às vezes, vão para sustentar uma família debaixo da ponte, outras vão para o consumo de drogas devastadoras. A cena comum faz com que se crie uma cegueira temporária, ou que pelo menos se ignore esse problema. Mas não é sempre que esqueço do meu coração mole.

Indo para a estação Itaquera, já atrasada, decido pegar o fura-fila. Para quem não sabe, é um corredor de ônibus que funciona tipo um metrô: o caminho é exclusivo para esses veículos, ou seja, não tem seu espaço disputado por carros e motos nas ruas e avenidas da cidade, e há estações, que param para entrada e saída de passageiros durante o percurso. Enfim, esta foi a forma mais rápida que encontrei para chegar na linha vermelha do metrô. Ao chegar no terminal, é preciso sair da estação do fura-fila para ir à estação Pedro II. E nesse curto espaço de tempo, cruzei com o personagem desta história.

Entre o verão e o outono, somos atingidos pela loucura do tempo. Quando nos tocamos, estamos com frio, justamente no dia em que o casaco quentinho ficou em casa. Eu estava tranquila... para quem viveu a vida inteira no calor infernal de Teresina, o que é um ventinho mais gelado? Mas, querendo ou não, é possível sentir o choque térmico ao sair do ônibus. Tava frio.

De qualquer forma, não é o vento frio nem o meu choque térmico que vem ao caso. O problema era a criança pedindo esmola na porta do metrô. Dei aquela olhadela no lugar pra depositar dinheiro e tinha apenas uns 30 centavos. Passei batido. A criança estava tão quietinha, com todo o corpo dentro de uma camisa daquelas de propaganda... achei que nem fosse falar comigo. Quando ouço aquela voz embargada: "me dá uma ajuda, por favor, moça...". Como sempre ignorei. "Pra eu comer, por favor, eu tô com fome!", falou chorando de um jeito angustiado, carregado de sofrimento.

Eu tive o coração de pedra de passar batido e não fazer absolutamente nada por aquele moleque. Mas fui pensando nisso durante a viagem inteira. Ele queria comer. Ele tava sofrendo. Ele não devia estar ali. Putz, por que não parei lá?

Aí me veio à mente um fato da minha infância. Certa vez, em uma viagem com a família para uma casa de praia de uns amigos dos meus pais, estava eu e um grupo de crianças jogando dominó. Aproximou-se uma mulher, com uma criança no colo, pedindo ajuda. Pediu dinheiro. Como eu era muito nova, não tinha mesada, nem era estudante direito na verdade. Não tinha nem um real pra dar a ela. Porém, tomada pela compaixão e amor ao próximo, juntei a galera do dominó (falei que nem vó da birita agora...) e fizemos uma "cesta básica" para a menina. De cream cracker a saquinho de chá. Colocamos tudo, e no final, dei o celular do meu pai pra que ela ligasse se precisasse de qualquer coisa. "Pode ligar à cobrar!", completei.

Após lembrar-me disso, fiquei pensando no que eu me tornei após mudar pra SP. Esqueci esse lado bondoso na minha cidade. Aqui, não ajudo ninguém além de mim. Não por mal, claro, e também há um certo exagero na frase, mas o fato é que não ajudo ninguém como anteriormente. Quando me toco disso, me bate uma tristeza... me tornei uma paulistana. Aliás, uma paulistana ruim, pois não posso generalizar nesse aspecto. Mas e eu, e a minha parcela de culpa? Aquela criança sofrendo, ali, aos meus pés, e eu fingindo que não era comigo. Péssimo!

Cheguei à conclusão de que não posso deixar que a correria do dia a dia acabe com o melhor de mim. Da próxima vez, tentarei ajudar. Mesmo com o trabalho atrasado em Itaquera.

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1 Response to "Uma ajuda, moça"

  1. Anônimo Says:
    9 de dezembro de 2012 às 21:32

    Passo pelo mesmo dilema, também nao gosto muito dessa nova eu ; )

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